Crislaine Duré
3 min readOct 10, 2024

faz um ano que fui pro Peru

na casa que eu nasci e cresci, lá no Portal da Foz, interior do estado, tinham gigantescos-três-pés-de-manga — que eram enormes refrescos numa cidade que não venta e que todo o calor do mundo faz.

minha mãe conta que quando eu era neném, para ela poder fazer o serviço doméstico com tranquilidade, me colocava num pano comprido, debaixo de uma dessas mangueiras porque, segundo ela, o balanço das folhas e seu som hipnotizante me entretiam por todo o tempo que ela precisasse.

eu acredito muito nisso, visto que lembro de crescer e dizer sempre que minha cor favorita era verde, porque amava o tom de verde das folhas das mangueiras lá de casa, que também se pareciam com o tom de verde dos meus olhos. juro, acho que as crianças da minha sala deviam me achar uma enjoada quando eu soltava essa em aula!

acho que por causa disso, sempre amei ver verde em grande quantidade. o caminho que a gente faz no ônibus de dois andares à caminho das quedas das cataratas, dentro do Parque Nacional, sempre foi minha parte favorita do passeio. ainda mais depois da chuva, analisar o verde escuro das plantinhas e imagina-las felizes depois de tanta abundância de hidratação por algum motivo toda vez me deixava muito feliz.

cresci aprendendo a apreciar a natureza. meu avô, madrinha e mãe nunca desperdiçavam a oportunidade de me passar seus ensinamentos sobre algum bichinho, ou planta, ou fruta, ou algo sobre o céu, sobre o canto e comportamento de algum pássaro, enfim.

penso que também estive num cenário propício, visto que Foz do Iguaçu tem uma beleza natural exuberantemente incomparável; forte, enorme, incompreensível até. seja em suas cachoeiras, beiradas do rio Paraná ou até mesmo nas grandes quedas das Cataratas: é beleza abundante. Foz é cheia de cantos lindos. cresci assim.

enfim. no ensino fundamental, num livro de história, vi Machu Picchu pela primeira vez — em preto e branco, livro didático low budget. na época eu era uma adolescente mu-uito indie, apaixonada por Strokes. viciei na música “machu picchu” e decidi então que esse seria um dos meus bordões adolescentes: seu sonho é Nova Iorque? entendi. ah, eu? meu sonho é visitar o Peru e conhecer Machu Picchu.

escolhi ser devota do Peru porque era uma síntese dos meus interesses: muito verde, natureza exuberante, água para admirar, latino, cheio de espanhol para ouvir, o povo se parecia com o povo do meu pai, místico, cheia de mistérios e histórias interessantes.

não sei se chegou a durar mais de um ano essa devoção. sabe como é, adolescência é turbilhão, tudo passa muito rápido… mas tudo o que aprendi sobre o Peru nesse período ficou guardado em mim e, por muita sorte do destino, exatos 1 ano atrás, realizei esse sonho passageiro da Crisdu adolescente.

contemplei paisagens tão estonteantes e espero não esquecer nunca o detalhe das texturas que vi. o verde de lá é um verde diferente, acho que as árvores de lá honram muito ser peruanas, risos.

a maior parte dos meus pensamentos estando lá eram sobre como podiam existir montanhas tão grandes que pareciam tocar o céu, ou sobre quais animais silvestres moravam naquela montoeira de árvore junta ali naquele horizonte que eu não conseguia visitar. parece que, por alguns dias, me permiti pensar com a cabeça da mini Crisdu que habita em mim, deixando formular frases tolas, dando corda para pensamentos sem pé nem cabeça, porque sei lá: a natureza faz isso com a gente… mexe com cada cantinho nosso, se a gente permitir.

além de que ir para o Peru me fez conectar com esse chão que habito: sou daqui e dali também, sou um pouco deles. esse povo também conta a minha história. estou do lado de lá, mas aqui também é o meu lugar.

chorei em Lima vendo uma paisagem que não estava no roteiro, mas que acabamos esbarrando depois de um almoço perfeito que também foi fruto do acaso… chorei porque eu nunca tinha imaginado algo tão lindo quanto aquilo (e olha que sou bem criativa nas minhas imaginações, tá?) e, para mim, naquele momento, toda mínima escolha que havia feito na vida que me levou até ali, valeu à pena. porque estar vivo é bom. fiz compromisso com o acaso e também com o planejado de que, sempre que puder, quero ver mais grandes-verdes-juntos. de alguma forma isso dá sentido na minha vida. talvez ainda me entretenha muito, me hipnotize o som de uma folha batendo na outra, mesmo depois de tanto tempo. sei lá.

ainda volto, tá, Peru? ❤