escolha de morrer

ver a vida findar ao alcance do olhar
deliberadamente pela opção desse alguém
é assombrosamente incompreensível
pois na mente não moram suas razões,
ou motivações, ou últimas tentativas;
mas agora moram como fruto assombrações e
esses fantasmas, nada espirituais,
são esses tais questionamentos sem resposta:
a tortura dos pensamentos ininterruptos
e aquelas malditas memórias
que, de forma inconveniente, insistente,
em looping me apavoram
que meu lar roubam
que meu sono roubam
meu descanso no horizonte,
o prazer da minha varanda,
a vista da minha janela,
a atenção de acompanhar aviões
deitada na minha cama: se foi.

afinal, ela se foi,
mas parece que na queda, sua maldição
assim como um vidro solto livre em altura ao chocar se parte em tantos,
assim foi também ela foi distribuída igualmente, em centelhas,
partes em tantos a cada expectador que…
com olhar, com voz, com lágrima, com reza, com mãos, com perguntas, com coração, com atenção, com vista, com desdém, com ligação para os bombeiros, com soluções ineficazes, com prece, com grito, com desespero
ofertou salvação à quem escolheu sucumbir;
e como produto, advém a punição pela ousadia de intervir no que se fez destino
e pela presunção em escolher pelo outro
a hora de ficar, a hora de partir,
com base nas dores que não se sabe,
mas que, pelo egoísmo do carregar vazias-certezas,
afirma ter solução. afirma esperança. afirma que vale a pena.

e como não vale? com tanto para se ver, cores para descobrir,
texturas para tocar, sons gostosos para ouvir, gostos para provar
vida para ver, viver e distribuir
com tantos papéis a executar,
e cheiros saborosos para a ponta do nariz visitar
eu realmente não consigo compreender
e nem desenvolver esse texto com todo o sentimento do coração
porque a grande verdade é que eu não estou certa de que queria
materializar o que está morando no meu peito

guarda rente ao queixo
pé frente, pé trás
rosto baixo
olho semicerrado
sobrancelha reta
firme voz, decisão
adiante, que me transpasse
que atravesse
e me deixe em paz